A Grande Rio e nossa ancestralidade, por Luiz Paulo

A Grande Rio e nossa ancestralidade, por Luiz Paulo

Boa tarde, sra. presidente, deputada Tia Ju; sras. e srs. deputados que nos ouvem e nos assistem de forma presencial e remota; senhor intérprete da linguagem de libras, que leva a nossa voz aos deficientes auditivos.

Complementando meu discurso de ontem, dia 26 de abril, no expediente inicial, venho falar sobre o êxito do Carnaval no sentido do tema que escolheram as escolas de samba, que perpassou a maioria delas: a luta contra o preconceito religioso e racial. Ontem, foi anunciada a vencedora, uma escola de samba de Duque de Caxias, cujo desfile teve como tema a luta contra o preconceito de forma geral, mais especificamente, contra o preconceito racial e religioso.

A figura do orixá Exu

A escola de samba explorou a figura do orixá Exu, que foi celebrado e teve o samba-enredo cantado com todo vigor pela comunidade, quebrando outro preconceito. Pela primeira vez, vi parcela significativa da sociedade reconhecendo aquilo que sabemos há muito tempo: que Exu, entidade do candomblé, não tem nada a ver com diabo, demônio, lúcifer ou qualquer outro que faça parte desse domínio.

Todos os planetas homenageiam deuses da mitologia greco-romana

Escolhi este tema, porque, se olharmos para o céu e conseguirmos identificar alguns planetas do sistema solar, se verificará que todos os planetas, com exceção da lua que não é um planeta, mas um satélite da Terra, e da própria Terra, todos, têm nomes que homenageiam o Panteão dos deuses da mitologia greco-romana. Senão, vejamos: do mais próximo ao sol, ao mais distante. Começamos com o mais próximo: Mercúrio – e vou voltar a falar muito de Mercúrio -, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão. Todos eles fazem parte da mitologia greco-romana.

Seguramente, já ouviram falar de Plutão, também reconhecido como Hades, que, em tese, é o senhor dos infernos. E ninguém desconjura Plutão. Por quê? É a mitologia greco-romana, Panteão dos deuses.

Há outro Panteão: o dos deuses da mitologia greco-romana

Há outro Panteão dos deuses que precede à mitologia greco-romana: é o Panteão dos deuses africanos, que guarda similaridade com o Panteão dos deuses da mitologia greco-romana. Vou citar aqui alguns exemplos. Guardam similaridade por quê? Porque esse Panteão dos deuses é uma criação dos nossos antepassados. Voltando lá há seis mil, dez mil anos antes de Cristo. E isso está no inconsciente coletivo. 

Quem é Mercúrio?

Vamos começar também do sol, do mais próximo ao mais distante. Comecemos por Mercúrio. Quem é Mercúrio na mitologia greco-romana? É o mensageiro. Se é mensageiro, é o senhor dos caminhos. É quem leva as notícias, que vai na frente, significa a comunicação. Mercúrio também rege a capacidade criativa, a capacidade intelectual. E no Panteão dos deuses africanos, dos orixás, quem é Mercúrio? É Exu, o senhor dos caminhos. 

E Vênus?

Mas o mais próximo do sol depois de Mercúrio é Vênus, a Deusa do amor. Tanto é, que o símbolo de Vênus é o símbolo do feminino; e o símbolo do masculino é Marte, não é isso? Vênus, a Deusa do amor, da fraternidade, também tem uma simbologia como mãe, todo mundo respeita.

No Panteão dos deuses africanos quem é Vênus? Oxum. É o orixá da beleza, do charme, do fausto, dona do rio Oxum, das lágrimas. Se quisermos, podemos ir um por um. Passamos para Marte e fazemos ilação com Ogum, passamos para Júpiter e fazemos ilação com Xangô e por aí vai.

O preconceito odioso

Como a nossa ancestralidade é africana e os africanos vieram para cá a fórceps, à força, retirados da África e comercializados, os seus cultos passaram a ser vistos como exógenos, que tinham que ser combatidos, pois tinham que valer os cultos do ocidente. E, aí, entra fortemente o preconceito. Quem tem no seu panteão de deuses os orixás africanos é descendente daquele que veio acorrentado. Isso não merece credibilidade. É preconceito odioso. Tanto é que a gente sucessivamente verificou aqui invasões de casas de santo, de candomblé, umbanda, o que é algo abominável, em pleno século XXI.

Somos uma mistura de povos

Então, a vitória da Grande Rio, ontem, do município de Duque de Caxias, além de tantas virtudes na luta contra o preconceito, serviu para mostrar à sociedade que essa é a nossa ancestralidade; que ela é tão válida como a ancestralidade que gerou a mitologia greco-romana, mas que não é a nossa – é importada. A nossa matriz genética é uma mistura de muitos povos – o indígena, o africano, o português, inicialmente, mas tivemos invasão francesa, invasão holandesa, principalmente em Pernambuco. E, depois, por causa das guerras, a gente teve a colonização japonesa, finlandesa, alemã, suíça – aqui no Rio de Janeiro. Então, tudo isso foi nos formando.

O século XXI não admite mais preconceitos

O importante a reforçar é que não podemos admitir, no século XXI, nenhum preconceito. O fato de o cidadão louvar a sua ancestralidade, admitir todas essas forças da natureza, cultuá-la é do arbítrio livre de cada um, é um princípio constitucional. Esse desfile tem mérito exatamente, porque expôs essa chaga, que precisa ser definitivamente curada. Por isso, fiz questão absoluta também de louvar o resultado de hoje.

Está de parabéns a Grande Rio, pela sua coragem, pela sua ousadia, seu senso estético, sua organização e por entender que uma das lutas mais relevantes que temos que travar na nossa sociedade é a luta contra o preconceito.

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