Entendendo o problema da crise hídrica
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Entendendo o problema da crise hídrica

por Luiz Paulo

A ETA do Guandu é a maior estação de tratamento de água do mundo: trata 42 m³/seg de água. Essa água deriva de três mananciais. O primeiro, o Rio Paraíba do Sul, com barragem em Santa Cecília, onde a água é bombeada e inverte o curso do Rio Piraí, afluente do Paraíba. A água é bombeada e o rio sobe, em vez de descer, até a altura de Vigário Geral. A água é batida violentamente e é solta de uma altura bastante relevante, gera energia virando as turbinas da Light e depois vai em direção à bacia de acumulação da ETA do Guandu. Esse é um grande volume de água, algo como 45 m³/seg. A água é poluída, mas, como sofre esse chacoalhar imenso ao subir o Rio Piraí e depois há a queda em Vigário para gerar energia, esse forte movimento leva a uma liquefação maior de esgoto. O segundo manancial para a bacia de acumulação é de Ribeirão das Lajes, água límpida e cristalina, um volume de 12 m³/seg de água. O terceiro manancial são os rios afluentes do Guandu que demandam dos municípios de Queimados, Japeri e Nova Iguaçu, rios que, na verdade, são valões que transportam esgoto e que talvez atinjam volume de 1 m³/seg.

Falta de solução para o menor problema

A atual gestão da CEDAE não foi capaz de resolver exatamente esse volume, que é o menor de todos – 1 m³/seg. Poderia tê-lo feito, se levasse adiante projeto que já está pronto há muito tempo, licitado em 2009: um duto que pudesse barrar a chegada de esgoto na lagoa de estabilização. Esse duto lançaria o esgoto depois da captação e custaria, em dinheiro de hoje, 100 milhões de reais. É a melhor solução? Não, mas seria a mais rápida e possível. E por que não foi feito? Evidentemente, por falta de capacidade gerencial, não por falta de dinheiro. Vamos aos fatos.

Não falta dinheiro, mas competência e responsabilidade

Havia no Fecam – Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano – 708 milhões. Gastaram 112 milhões e sobraram em torno de 600 milhões. Com a Emenda Constitucional 73, aprovada em dezembro de 2019, o governador levou, na mão grande, 30% de todos os fundos – do Fecam, ainda mais 20%, ou seja, 50% – 300 milhões. Portanto, os 300 milhões que sobraram vão passar para o exercício de 2020.

Continuando a explorar o tema “não falta dinheiro, mas competência e responsabilidade”, a CEDAE, em 2018, conforme apurado no balanço de 2019, deu lucro de 830 milhões. Mas, como o agente investidor é o estado, que tem 99,999% das ações, ele, simplesmente, ficou com esse recurso. Em 2019, o balanço da CEDAE, que será publicado em março, vai acusar lucro líquido de, aproximadamente, 1 bilhão de reais. Conclusão: não faltava dinheiro.

Fatos sem explicação

E o drama se agrava com um assunto que a CEDAE nunca quis explicar direito. A alga que gera geosmina, que quer dizer em grego “cheiro de terra”, essa alga não suja a água: ela continua cristalina. E a água que saiu tinha cheiro, tinha cor e estava turva. Mas não foi a alga que produziu isso. Os raspadores dos decantadores da estação de tratamento, num total de nove, foram todos retirados, porque a primeira estação de tratamento é de 1955 e a segunda de 1965. E, sem esses raspadores, fica lama no fundo dos decantadores, que turvam a água.

O presidente da CEDAE vem a público e diz: “Para recuperar a ETA do Guandu, precisamos investir 700 milhões de reais”. E por que não investiu? O dinheiro existia.

Não aprendem com a história

E há um outro problema: ele demitiu 54 técnicos, os maiores salários da CEDAE, mas, ao mesmo tempo, os mais experientes e mais capazes, sem se preocupar com a transmissão do conhecimento. Tratou a empresa como se vendesse um produto qualquer, e não a água, indispensável à vida. Então, os que entraram não tinham esse grau de experiência para enfrentar o problema que aconteceu. Isto, em escala muito menor, aconteceu no ano de 2001. E qual foi a solução que os calejados engenheiros demitidos deram à época? O mesmo que agora, quando apareceu detergente: fecharam a captação para deixar acumular mais água o que dilui muito mais rápido. E, ainda mais: fizeram, em linguagem popular, umas sangrias, isto é, soltaram água sem ser para captação, para verter para o Canal de São Francisco, outro nome do Guandu, e chegar ao mar. Porque, ao soltar essa água abruptamente, ela arrasta o que está superficialmente e leva parte da alga também embora. Mas o presidente da Cedae se negou a fazer isso, porque iria abalar o abastecimento.

Comprou a carvão ativado, não deu certo na totalidade. Não quer dizer que a técnica não seja correta. Comprou a argila modificada ionicamente, ainda não tinha dado certo e apareceu o detergente. Solução: fechou a captação, acumulou mais água, possivelmente resolveu o detergente, porque diluiu. Só que o fez no momento do início do ano letivo, afetando a rede escolar. Feito à época devida, também não teria afetado o horário escolar.

Gestão pública é coisa séria

Gestão pública não é para neófito. Gestão pública não é para indicação política. Na gestão pública, ou se conhece ou não se conhece. Você não inventa o gestor público da noite para o dia. E diretor financeiro tem obrigação: olhar o caixa, o que entra e o que sai; e, na iniciativa privada, prioriza aumentar a lucratividade, mas não é assim que se trabalha com água. Basta observar o que ocorreu com a Vale: para aumentar a lucratividade, distribuir mais dividendos e ser empresa cuja ação mais valorizou, ficou com as barragens antigas, com metodologia, hoje, que não se aplica mais no mundo inteiro; depreciou a engenharia, a qualidade técnica; a barragem rompeu e vitimou todo mundo.

Não é só lucrar

Não dá para ter gestores que só veem a lucratividade, mas não veem o cidadão que consome aquele bem ou o estrago que pode fazer, no caso da Samarco, ao meio ambiente e também matando centenas de pessoas. Essa é a questão que nós vivemos.

Por isso, a ALERJ tem duas opções: ou implanta CPI ou não implanta. Mas jamais vi tema tão relevante para fazer CPI:

1 – para se ter diagnóstico perfeito; 

2 – para verificar se há responsáveis por esse drama que estamos vivendo; 

3 – para propor soluções de médio e curto prazo.

É claro que “Temos que tratar todo o esgoto.”, mas, até concluir o tratamento de todo o esgoto, não sei se teremos água para beber.

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