Concessão da CEDAE em pauta: os mitos, por Luiz Paulo

Concessão da CEDAE em pauta: os mitos, por Luiz Paulo

Quero tecer alguns comentários sobre o edital de concessão à iniciativa privada da Cedae, dividido em quatro lotes.

O aumento da qualidade da água não está no Edital

Em primeiro lugar, desmistificar algumas questões. A primeira é que parcela da nossa mídia escrita, falada, televisada está sempre a dizer que, numa concessão à iniciativa privada da Cedae, a qualidade da água vai melhorar. Simplesmente, não leram o edital. A concessão diz respeito à distribuição da água às moradias e à coleta e tratamento do esgoto e destino. Quem continuará a produzir a água será a Cedae. Então, quem continuará a gerir a captação, o tratamento e a venda da água para as quatro distribuidoras é a Cedae. Quem continuará a cuidar do Sistema Guandu e do Sistema Imunana Laranjal é a Cedae. 

A CEDAE, mesmo com enorme lucro, não investiu nessa qualidade

Qual é a grande falha da Cedae? É empresa que tem lucro líquido acima de R$ 1 bilhão e não o reinveste para melhorar a qualidade da água e captação do esgoto. Mas, não investe, por quê? Porque o acionista majoritário – que é o Estado – não decide. Projetos de lei para que isso aconteça existem tramitando na Assembleia Legislativa, sou até coautor de alguns. Portanto, como é que a qualidade da água vai melhorar, se a Cedae deixará de ter esse lucro líquido; ao contrário, é capaz de ficar no vermelho pelo cálculo indevido a menor do valor da tarifa que a Cedae vai cobrar às concessionárias? É preciso, primeiramente, desfazer esse mito.

A CEDAE perde recursos: portanto, não melhora a qualidade

O Sistema Imunana Laranjal, lá em São Gonçalo está no limite da produção de água: não tem como produzir mais água, porque não tem fonte no Canal de Imunana que possa dar ao sistema mais do que 7m3/s. Então, não há naquele sistema nenhuma capacidade de se expandir e mesmo que tivesse a Cedae não teria recursos para fazer essa expansão. Em consequência, essa licitação não melhorará a qualidade da água.

Se o capital não der retorno, as empresas podem pedir congelamento – mais rombo

Ainda existe um segundo mito. Imaginem que, no cálculo de viabilidade feito pelas concessionárias, não se dê o retorno do capital no prazo desejado. Essas empresas não estão impedidas de ir à Justiça para pedir o congelamento da tarifa da Cedae que vai vender água para eles, como já aconteceu em Niterói. Se isso ocorrer, o rombo ainda é maior.

Falar a verdade: a CEDAE não tem sido competente

Precisamos desfazer mitos e falar a verdade. A Cedae não é nenhum exemplo de gestão competente. Nos últimos dois anos, principalmente, só vão para a Cedae indicações de cima e a primeira foi de caráter político de um grupo não republicano, no mínimo. 

Mais uma verdade: gerir água não é para principiante

A segunda questão é que gerir água e esgoto não é tarefa para principiante, mas para profissional. E o Edital, para surpresa minha, não exige que os investidores, isto é, os donos dos fundos de investimento, para entrar na licitação, sejam obrigados a fazer consórcio com operadora de água e esgoto.

Sem gente competente e transferência de tecnologia

Como um fundo composto de cabeças de mercado, economistas, vai administrar um sistema de água e esgoto? Isso não anda sozinho. É falha imensa do Edital não haver operadora para transferência de tecnologia, de gente que saiba operar distribuição de água e captação e dar destino final ao esgoto. Essa é questão seriíssima.

Em Edital só vale o escrito

Mas vem matéria jornalística que diz assim: na licitação possivelmente cada consórcio terá operadora. Lembro um ditado popular: em Edital, só vale o que está escrito. Se não está escrito no Edital, possivelmente é hipótese. E hipótese pode dar certo ou não. Então, lembro dessa segunda questão, que é de muita periculosidade.

No Rio, onde houve concessão sobram reclamações

Mas há uma terceira questão. Quem tem experiência com concessão de esgoto à iniciativa privada, porque na cidade do Rio de Janeiro foi concedido o esgoto à iniciativa privada, sabe: na zona oeste, principalmente, na região de Realengo, via que as reclamações eram imensas. O propalado exemplo de que o modelo de Niterói poderia ser exitoso em outras áreas não é verdade.

Onde está a tarifa social para os sem renda?

Chamo a atenção de todos: temos hoje na nossa Região Metropolitana, um verdadeiro apartheid. A grande imensa maioria da população está sem renda. Se não tivermos garantia muito forte de tarifa social e, mais ainda, de subsidiar – não é nem com a tarifa social – aqueles que não têm renda alguma, como eles vão ter água se não têm dinheiro hoje para comer?

E o investimento nas favelas e comunidades?

Vou concluir com última questão para a qual quero fazer um alerta. Não tem no plano de investimentos que está no edital qual seria o investimento na rede de água e, principalmente, na de esgoto, nas favelas e nas comunidades de periferia. Não tem essa proposta, nem esse planejamento.

Questiono: na Rocinha, para onde foi anunciado grande plano de saneamento, com a contratação de um escritório, que começou e parou, onde há um índice de tuberculose muito grande, existem zonas de sombra, não tem aeração. Quem vai investir se não faz parte do plano? Dou o exemplo da Rocinha, mas a situação se multiplica com as mais de 600 favelas que existem na cidade e, talvez, no conjunto da região metropolitana, mais de mil.

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