A água como um bem coletivo pertencente à sociedade, por Luiz Paulo

A água como um bem coletivo pertencente à sociedade, por Luiz Paulo

O Projeto de Lei 3137/2020, de minha autoria e do deputado Samuel Malafaia, regulamenta procedimentos para armazenamento e retardo de água de chuva em perímetros urbanos para reaproveitamento e postergação de suas descargas na rede pública, além da acumulação de água cinza-claro para seu tratamento e uso e fins, quando a água não necessitar ter caráter potável conforme normas técnicas. E revoga a Lei 7463, de 18 de outubro de 2016, cujos autores fomos nós também.
A escassez de água como grande drama
Estamos convictos de que o grande drama da nossa sociedade, a curto prazo, será a escassez de água, principalmente em tempos de seca, ou seja, no inverno – apesar de o estarmos vivendo agora, em tempo de primavera, por incompetência de gestores públicos.
Mudanças climáticas
Vivemos mudanças climáticas profundas no planeta e, em especial, no Brasil. Observa-se degelo de geleiras em velocidades atípicas, queimadas na Califórnia e, principalmente, o desmatamento e queimadas na Região Amazônica e no Pantanal, que são dignos de intensas preocupações. Devemos ao habitat amazônico nosso regime de chuvas, que vem sendo profundamente modificado, com chuvas de grande intensidade e estiagens prolongadas.
Os sistemas do Rio de Janeiro e suas falhas
O Rio de Janeiro possui dois sistemas de abastecimento d’água de grandes dimensões: o Sistema Guandu, que produz 42m3/s de água; e o Sistema Imunana-Laranjal, com até 7m3/s. Existem, ainda, em diversas regiões do Estado, outros sistemas de pequeno porte. Infelizmente, as perdas físicas e financeiras de tais sistemas são superiores a 30% – perdas inaceitáveis de água tratada.
De outro lado, as concessionárias de água e esgoto, entre elas a Cedae, adotam o ambientalmente incorreto e inaceitável sistema de tarifação sobre consumo mínimo estipulado e não, como deveria ser, a plena hidrometração. As concessionárias, portanto, não estimulam a economia do consumo d’água e sim o desperdício, com o consequente aumento do faturamento. No artigo 11 do presente projeto, tangenciamos tal questão.
Registre-se que a captação no Rio Guandu é derivação do Rio Paraíba do Sul, na represa de Santana, após bombear a água através do Rio Piraí e gerar energia em Vigário, indo desaguar no tímido Rio Guandu.
Verifica-se que o Rio Paraíba do Sul, a montante da represa, se desenvolve num dos eixos mais conurbados do Brasil, o eixo Rio/São Paulo, ou seja, com a unificação da malha urbana de grande extensão. Trata-se, então, de água bastante poluída.
A água do Guandu é vertida na bacia de acumulação da estação de tratamento do Guandu. Esta recebe imensa carga de esgoto in natura, oriundo de pequenos rios da Baixada Fluminense, principalmente de Nova Iguaçu e Queimados.
A crise da água da Cedae no início de 2020
No início do presente ano de 2020, tivemos séria crise derivada da qualidade de água no sistema Guandu, função de presença de algas geosmina, que deu cheiro e cor insuportáveis e gerando doença de vinculação hídrica que afetou diretamente dez municípios da Região Metropolitana.
A crise de desabastecimento agora
Quero assinalar que, neste momento, vivemos outra crise de abastecimento d’água. Esta, no meu entendimento, proposital, porque sabe-se que o sistema Lameirão data de 1965 e as imensas bombas lá existentes, que bombeiam a água para a cidade do Rio de Janeiro e para Baixada Fluminense, são muito velhas e sujeitas a colapso. Deveria haver sempre outra bomba daquela dimensão de reserva, para substituir uma que, eventualmente, falhasse. No meu entendimento, isso, propositadamente, não ocorreu, principalmente pela má gestão da Cedae nos últimos 2 anos, do Sr. Hélio à frente da presidência da Cedae, o mesmo que fugiu do debate aqui na Assembleia Legislativa.
Com isso, se joga para a plateia que a Cedae é absolutamente inoperante para facilitar todo o discurso a favor da privatização e de sua desvalorização.
A evolução deste projeto
Retorno ao tema do projeto: em outubro de 2016, sob a inspiração do deputado Samuel Malafaia, contando com a minha tímida colaboração, aprovamos a Lei 7463, de 2016, para dar início à regulamentação dessa questão relevante do aproveitamento das águas da chuva e o reuso da água cinza. Ocorre que, a posteriori, houve o advento das normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT 15.527 de 2019, 16.782 de 2019, 16.783 de 2019, que normatizaram a utilização da água da chuva para fins não potáveis e o reuso das águas cinzas e aí consideramos a necessidade de aprimorar a lei existente.
Para encurtar, depois de muita discussão, com mais de dois meses de novos debates, incluindo novos autores, reapresentamos este projeto exatamente em 17 de setembro de 2020 e, agora, está vindo à pauta num formato mais radical, no sentido de se aproveitar de fato as águas oriundas da chuva e se fazer, verdadeiramente, nas novas edificações multifamiliares, principalmente, mas não só, o reuso das águas cinzas.
Dito isso, ainda quero assinalar que o Congresso Nacional aprovou o novo marco regulatório de saneamento, em função da carência de água e, principalmente, da precariedade de captação do tratamento de esgoto. Lembrando sempre do tenebroso desperdício de água.
Ao escrevemos o projeto, estávamos nos últimos dias do inverno. Agora, nos últimos dias da primavera, mas os níveis de reservatório da água estão muito baixos e o desperdício continua.
Na Região Serrana, também se repetem queimadas sucessivas. Poços artesianos nascentes ficam cada vez mais escassos, inclusive, a própria realimentação do lençol freático.
É preciso radicalizar soluções
Para enfrentar tal dilema ambiental que se abate no sistema de abastecimento de água, após quatro meses de debates e contribuições importantes de sindicatos temáticos, ambientalistas, especialistas e muitas pesquisas, estamos convictos de que temos que radicalizar soluções para o uso racional da água, em função da sua iminente escassez e do seu valor, como um bem coletivo pertencente à sociedade.
A lógica da presente proposta é que a preservação e uso racional da água devem prevalecer sobre ilações de caráter econômico, de expansão edilícia que somente em condições excepcionais de custo e benefício é que a captação e o reuso são possíveis.
Discordamos profundamente. As edificações se enquadram no normativo do caráter apenas econômico das possibilidades, até porque sem água a economia vai para o atoleiro das assertivas que norteiam a presente proposta que alguns irão criticar, mas que certamente terão apoio dos que estão preocupados com o nosso futuro muito próximo.
O importante papel dos municípios
Sabemos que, concorrentemente, União, Estados e Municípios podem legislar sobre meio ambiente, mas é prorrogativa dos municípios legislarem sobre normas edilícias, ou seja, edificações de prédios ou construções de uso comum dos moradores.
Seria de todo útil que tal projeto ambiental inspirasse as municipalidades para incentivar a aprovação de projetos ambientalmente sustentáveis, pelo menos com uso de energia solar e uso racional da água, promovendo para tanto a redução IPTU e ISS na fase de construção. No artigo 10 do presente Projeto, tratamos de tais prerrogativas municipais. Somente o município de Niterói, de muito, tem lei sobre reuso da água, feita evidentemente há uma década, que também precisa ser atualizada. Rendemos nossa homenagem à prefeitura de Niterói.
Submetemos aos parlamentares importante avanço sobre tema tão sensível para a nossa sociedade.

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